Astronomia
Índia e China na corrida em direção à Lua
Em setembro do ano passado, uma sonda indiana fez uma revelação surpreendente sobre uma velha conhecida: a Lua, antes vista como um corpo completamente seco, apresentava traços de água de forma mais ou menos uniforme por toda a sua superfície. Dois meses depois, seria a vez de os americanos apresentarem uma nova peça ao quebra-cabeça: após colidir um projétil numa cratera escura localizada num dos pólos lunares, eles constataram que havia grandes quantidades de água congelada em seu interior.
Essas duas constatações, surpreendentes e complementares, não vieram na mesma época por acaso. O que estamos vendo é uma nova corrida para a Lua. Nos últimos anos uma bateria de espaçonaves, das mais diversas nacionalidades, começou a ser disparada na direção do satélite natural da Terra em busca de novas informações científicas acerca de nossa vizinha celeste. Ao que parece, quatro décadas depois que os primeiros astronautas pisaram seus pés no empoeirado solo lunar durante as missões Apollo, o astro voltou a atrair as atenções dos pesquisadores.
A Agência Espacial Europeia começou a "invasão" com a sonda orbitadora Smart-1, lançada em 2003, que mapeou os recursos minerais lunares. No ano seguinte, a Nasa anunciaria planos de voltar à Lua com astronautas até 2020, mas o projeto foi recentemente suspenso pelo presidente americano Barack Obama. Ainda assim, o impulso inicial foi fundamental para que a Nasa desenvolvesse um orbitador, o Lunar Reconnaissance Orbiter, lançado em junho de 2009 e atualmente em operação ao redor do satélite, e a missão de colisão que detectou água numa cratera lunar, a LCROSS.
Enquanto isso, do outro lado do mundo, a Agência Espacial Indiana preparava sua primeira missão lunar não-tripulada, a sonda Chandrayaan-1. Lançada em 2008, foi ela que descobriu a presença de moléculas de água misturadas à poeira do solo lunar, uma surpresa absoluta.
"Essa descoberta produz uma reviravolta para a ciência lunar", diz Jack Burns, astrofísico da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos. "Essa é possivelmente a mais significativa descoberta desde as missões Apollo."
Até então imaginava-se que a Lua fosse completamente livre de água por conta das radicais variações de temperatura (muito quente do lado claro, muito frio do lado escuro) e da ausência de atmosfera. As amostras trazidas pelas missões tripuladas americanas, nas décadas de 1960 e 1970, não davam qualquer evidência da presença de água, mesmo em pequenas quantidades.
Mas, ao que tudo indica, as partículas de hidrogênio presentes no vento solar interagem com o oxigênio presente nos minerais lunares, produzindo moléculas de água que se desfazem rapidamente, mas são constantemente recriadas, criando uma espécie bizarra de "ciclo hidrológico" lunar.
O caminho da água
Por que isso é tão importante? Sabemos que, com ou sem água, não há como haver formas de vida lunares. Então, qual é o fuzuê?
Ocorre que as perspectivas de estabelecer uma presença humana constante na Lua, seja uma colônia ou uma base nos moldes da Estação Espacial Internacional, passam necessariamente pela exploração dos recursos naturais disponíveis no próprio satélite. É aquela história do Velho Oeste americano: "Viver do que a terra dá". E água seria a commodity mais valiosa, sem sombra de dúvida.
Ela serviria não só para o consumo direto pelos astronautas - a aplicação mais óbvia -, mas poderia ser facilmente convertida em oxigênio (para respiração) e hidrogênio (combustível para foguetes). Caso uma base lunar pudesse contar com água de fontes locais, mantê-la por tempo indefinido, sem depender de mantimentos enviados da Terra, seria muito mais fácil.
Muito bem, água na Lua ajuda a estabelecer uma base lá. Mas para quê fazer isso? As razões são várias. Existe a perspectiva de realizar mineração para obter, entre outros materiais raros, uma substância chamada hélio-3, que seria o combustível ideal para as futuras usinas de fusão nuclear. Essa tecnologia criaria energia limpa e barata, usando a mesma técnica que produz a energia do interior das estrelas. Ninguém conseguiu desenvolver esse sistema de forma eficiente, mas diversos países estão engajados no desenvolvimento do projeto experimental Iter, uma usina de fusão experimental em construção na Europa que tentará criar as condições para tornar esse sonho realidade.
Além disso, há muitas oportunidades para desenvolvimento científico na Lua. Telescópios instalados por lá poderiam, por exemplo, passar vários dias seguidos apontados para o mesmo objeto, sem uma atmosfera para atrapalhar as observações. Também na busca por sinais de civilizações extraterrestres, o satélite natural será fundamental: seu lado afastado da Terra é o único lugar do Sistema Solar protegido da interferência de sinais de rádio emitidos por nossa própria civilização.
E, finalmente, a Lua pode ser o ponto de partida para a conquista de astros mais distantes. Ninguém cogita lançar uma missão a Marte sem antes testar equipamentos e procedimentos numa missão lunar. Enquanto nosso satélite natural pode ser visitado numa viagem de três dias, a jornada até o planeta vermelho levaria cerca de oito meses. Quem tiver um pé fincado na Lua estará muito mais próximo de se tornar uma nação que estendeu sua dominação e capacidade de explorar recursos além de suas fronteiras no globo terrestre.
Chineses tomam a dianteira
Com o cancelamento das missões de retorno à Lua pelo governo Obama, o sonho de uma futura base lunar ficou mais distante. Mas a corrida pelo satélite natural continua em andamento, e a nação que agora é favorita a vencê-la é a China.
O país está em franco desenvolvimento como potência espacial plena. Em 2003 tornou-se o terceiro país a ter meios independentes de enviar astronautas ao espaço, e em outubro de 2007 lançou sua primeira sonda não-tripulada em direção à Lua, a Chang'e-1.
Está nos planos dos chineses, provavelmente na década de 2020, levar astronautas à superfície lunar. Já está em desenvolvimento um foguete capaz de levantar o peso necessário a uma missão desse porte, e o país promete lançar outras sondas Chang'e nos próximos anos, incluindo um jipe não-tripulado similar aos que a Nasa enviou a Marte.
No Ocidente, o interesse científico pela Lua nunca foi tão grande. Geólogos estão ansiosos pela possibilidade de obter mais informações sobre a água descoberta em solo lunar, mas por ora, pelos planos adotados pela Casa Branca, terão de trabalhar apenas com missões não-tripuladas.
De toda forma, está claro que essa nova corrida para a Lua acabará no estabelecimento de uma presença humana mais consistente em nosso vizinho mais próximo no espaço sideral. Quantos anos isso levará para acontecer, ainda não se sabe - ainda mais com o crescente potencial da iniciativa privada no desenvolvimento das missões espaciais. Mas é certo que é isso que o futuro nos reserva, mais cedo ou mais tarde. (Por Salvador Nogueira, especial para o Yahoo! Brasil)
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