Cenários do fim do mundo
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Cenários do fim do mundo


Se os maias tivessem o dom de prever o futuro, poderiam ter antevisto que uma semana já congestionada por tarefas inconclusas, frenéticas compras de presentes e terríveis festas da firma não seria exatamente a melhor época para perturbar as pessoas com a fastidiosa obrigação de se preparar para o apocalipse.
Não que os maias sejam os culpados pelo burburinho em torno do 21 de dezembro de 2012. Alguns acreditam que a antiga civilização esperava o fim do mundo nessa data, por meio de todas as variedades de cataclismos que os servidores da internet sejam capazes de armazenar. Que o Sol vai liberar uma tempestade letal. Que terremotos vão rasgar o planeta em pedaços. Que um planeta desgarrado irá cair sobre a Terra, numa recriação cósmica de um jogo de bilhar. Não, não e não.
Não há dúvida de que os maias eram bons nesse troço de tempo. Basta fuçar os monumentos antigos corretos para você encontrar referências a datas que remontam a bilhões e bilhões de anos atrás. Mas é o calendário deles, o chamado ciclo de contagem longa, que interessa aqui. Em termos simplificados, o calendário abrange cerca de 5.125 anos. Alinhe-o a um calendário gregoriano, e o último dia cai mais ou menos na sexta-feira.
O que acontece quando o calendário termina? Quase nada. Os cientistas, confiantes, preveem que o maior transtorno que nós, humanos, enfrentamos ao final desse calendário (ou, aliás, de qualquer outro) é a necessidade de arrumarmos outro calendário. E talvez de curtirmos uma ressaca pela celebração.
Para crédito deles --porque não dizer nada poderia ser pior--, os cientistas têm vindo a público explicar a falácia, ou às vezes aquele mal interpretado pingo de verdade, que está por trás de cada cenário apocalíptico. Numa decisão que pouco teve de precavida, a agência espacial dos EUA antecipou em dez dias a divulgação de um vídeo previsto para 22 de dezembro. A Nasa o batizou de "Por Que o Mundo Não Acabou Ontem". Os acadêmicos fizeram sua parte também. Vagaram de estúdio em estúdio para apresentar a verdade mundana a telespectadores e ouvintes de rádio. Alguns conversaram com jornalistas respeitáveis, para artigos jornalísticos.
Apenas uma dúzia de pesquisadores, aproximadamente, estuda ativamente o calendário maia. Entre eles está John Carlson, diretor do Centro de Arqueoastronomia da Universidade de Maryland. "Sempre me perguntam o que vai acontecer nesse dia. Digo que muitas coisas vão acontecer. Algumas pessoas vão nascer. Algumas pessoas vão morrer. O farol de um carro vai queimar. Haverá terremotos, como há todo dia. E nada disso terá a ver com o antigo calendário maia", diz ele.
Para que não restem dúvidas, ele fala as seguintes frases em tom alto e pausado: "Não há nenhuma antiga profecia maia sobre nada que vá acontecer nessa data. Não. Há. Nenhuma."
E mesmo assim, ao que parece, algumas pessoas se preparam. Da Itália chegam notícias de um advogado que planeja encarar o Armagedom num bunker construído sob sua mansão. Em partes da Rússia, há falta de combustíveis, fósforos, açúcar e velas no comércio, num suposto prenúncio de algo pior do que o inverno russo. Na França, o órgão governamental encarregado de observar seitas, o Miviludes, está de olho na idílica aldeia montanhosa de Bugarach para a eventualidade de cultos apocalípticos aparecerem por lá depois de se espalhar a notícia de que esse seria o único lugar que resistiria.
Para cada pessoa que leva a sério a fantasia --chamá-la de profecia é um exagero--, muitas outras a consideram uma diversão inofensiva. Para outros, o fim do mundo é uma oportunidade de negócios. Sites especializados vendem alimentos secos, máscaras antigás e outros itens soturnos. As cervejarias fizeram sua parte lançando uma gama de cervejas alusivas ao apocalipse. E na semana passada um chinês fabricante de móveis apresentou um lote limitado de cápsulas de sobrevivência a 300 mil yuans [R$ 86 mil] cada. O ex-agricultor garantiu que as bolas de fibra de vidro resistem a ondas de até 1 km de altura. O "Guardian" não viu seus produtos.
Como isso virou um fenômeno global? Carlson atribuiu suas origens ao romantismo por cidades perdidas, aos glifos belos e enigmáticos, e àquilo que alguns consideram ser o destino misterioso do povo maia. Esses ingredientes eram perfeitos para picaretagens como "Heart of the World" [o coração do mundo, 1896], fantasia maia de Henry Rider Haggard. Mas outro livro pode ter sido mais significativo.
Em 1966, o arqueólogo americano Michael Coe escreveu "Os Maias", e, num capítulo sobre o calendário, mencionou a palavra "Armagedom". Carlson diz que esse foi um momento crucial. "Foi Michael Coe quem plantou esse meme na cultura moderna", diz ele. Desde então, a ideia foi abraçada por adeptos da New Age, e se espalhou ainda mais graças à internet. Hoje, o número de livros sobre o calendário maia se aproxima de 3.000. Provavelmente só uns seis deles valem alguma coisa, segundo Carlson.
Por que ficamos fascinados com cenários para o fim do mundo? "Em parte isso é um reflexo de que estamos todos obcecados com a nossa própria mortalidade, mas há um contexto mais amplo. De uma forma estranha, é meio que reconfortante pensar que quando formos embora a coisa toda vai junto, que estamos em um ponto especial da história", diz Chris French, professor de psicologia do Goldsmiths College, da Universidade de Londres.
Para os que creem no apocalipse, o momento mais difícil é o do anticlímax, quando o mundo continua girando e o relógio segue pulsando. A história já nos mostrou as saídas: alegar que o mundo foi poupado na última hora, recalcular a data do apocalipse, ou se desiludir e se torturar por ter acreditado. Será que nesta semana ouviremos falar pela última vez do fim do mundo? Melhor não acreditar nisso. "Depois que isso passar, haverá mais alguém prevendo o fim do mundo", diz Carlson. "Acreditem em mim."
Tradução de RODRIGO LEITE.
Ruínas em sítio maia de Chichén Itzá, no México
Ruínas em sítio maia de Chichén Itzá, no México
Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/1204087-cenarios-do-fim-do-mundo.shtml



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